quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Quase

Há muitos anos (acho que uns 10), no início da minha adolescência, enquanto eu procurava uns textos de Luis Fernando Veríssimo (meu autor favorito) na internet, entrei em contato com um texto que me fascinou: o “Quase”. É um texto muito inspirador, que foi amplamente compartilhado na época dos e-mails de Powerpoint, e ainda agora na 'Era Facebook' continua fazendo sucesso... o irônico é que o texto na realidade não é de autoria do Veríssimo, conforme ele publicou em sua coluna no dia 24/03/2005 no jornal Zero Hora:


‘Presque’

Luis Fernando Veríssimo

24/3/2005 – Zero Hora

A internet é uma maravilha, a internet é um horror. Não sei como a Humanidade pôde viver tanto tempo sem o e-mail e o Google, não sei o que será da nossa privacidade e da nossa sanidade quando só soubermos conviver nesse syberuniverso assustador. O mais admirável da internet é que tudo posto nos seus circuitos acaba tendo o mesmo valor, seja receita de bolo ou ensaio filosófico, já que o meio e o acesso ao meio são absolutamente iguais. O mais terrível é que tudo acaba tendo a mesma neutralidade moral, seja pregação inspiradora ou pregação racista — ou receita de bomba — já que a linguagem técnica é a mesma e a promiscuidade das mensagens é incontrolável. Não temos nem escolha entre o admirável e o terrível, pois acima de qualquer outra coisa a internet, hoje, é inevitável.

(...) Já li vários textos com assinaturas improváveis na internet, inclusive vários meus que nunca assinei, ou assinaria. Um, que circulou bastante, comparava duplas sertanejas com drogas e aconselhava o leitor a evitar qualquer cantor saído de Goiânia, o que me valeu muita correspondência indignada. Outro era sobre uma dor de barriga desastrosa, que muitos acharam nojento ou, pior, sensacional. O incômodo, além dos eventuais xingamentos, é só a obrigação de saber o que responder em casos como o da senhora que declarou que odiava tudo que eu escrevia até ler, na internet, um texto meu que adorara, e que, claro, não era meu. Agradeci, modestamente. Admiradora nova a gente não rejeita, mesmo quando não merece.

O texto que encantara a senhora se chamava "Quase" e é, mesmo, muito bom. Tenho sido elogiadíssimo pelo "Quase". Pessoas me agradecem por ter escrito o "Quase". Algumas dizem que o "Quase" mudou suas vidas. Uma turma de formandos me convidou para ser seu patrono e na última página do caro catálogo da formatura, como uma homenagem a mim, lá estava, inteiro, o "Quase". Não tive coragem de desiludir a garotada. Na internet, tudo se torna verdade até prova em contrário e como na internet a prova em contrário é impossível, fazer o quê?

Eu gostaria de encontrar o verdadeiro autor do "Quase" para agradecer a glória emprestada e para lhe dar um recado. No Salão do Livro de Paris, na semana passada, ganhei da autora um volume de textos e versos brasileiros muito bem traduzidos para o francês, com uma surpresa: eu estava entre Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros escolhidos, adivinha com que texto. Em francês ficou Presque.


Foi descoberto que a autora do texto é, na verdade, Sara Westphal, que escreve no blog Papel Baunilha.

Enfim, autores à parte, hoje, eu gostaria apenas de compartilhar com vocês este texto, que me inspira há tantos anos:



Ainda pior que a convicção do não ou a incerteza
do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que
me incomoda, que me entristece, que me mata
trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.
Quem quase ganhou ainda joga,
quem quase passou estuda,
quem quase morreu está vivo,
quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam
pelos dedos, nas chances que se perdem por medo,
nas ideias que nunca sairão do papel
por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher
uma vida morna; ou melhor não pergunto, contesto.
A resposta eu sei de cór. Está estampada na distância
dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença
dos "Bom dia", meio que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir,
entre a alegria e a dor, sentir nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo,
o mar não teria ondas, os dias seriam nublados
e o arco-íris em tons de cinza.
O nada não ilumina, não inspira,
não aflige nem acalma,
apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas
estejam ao alcance. Para as coisas que não podem ser mudadas
resta-nos contentamento e paciência, porém
preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é
desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance;
pros amores impossíveis, tempo.

De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo e indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando,
vivendo que esperando porque,
embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu.

Sara Westphal - 18/04/2002

Espero que tenham se inspirado!

Até a próxima! :*

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